segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Melou no Carmelo (Convento do Carmo)

E Deus – que é brasileiro - criou Kaká, com a missão de correr muito e falar o menos possível. Para não ficar sozinho fazendo coisas feias, o garoto foi obrigado a extrair uma costeleta, sem anestesia porque esta seria inventada anos-luz mais tarde e por um ateu. Doeu pra caracas, mas como poderia recusar se o Eterno, sentado nas nuvens, era tão parecido que nem se sabe quem era clone de quem? Do osso sangrento nasceu a Xuxa. 10 X 0 no programa do Silvio Santos. Mal cortou o cabelo todo melado, deu a louca na moça. Se achando uma pré Luz del Fuego, pegou a primeira jibóia que passava com jenipapo na boca e, se contorcendo toda, convenceu o bicho a deixar provar.
O resto do dramalhão vocês conhecem. Nosso inferno começou a partir da abominável fruta da idiota da cobra. E ninguém nunca perdoou ao bicho que não tinha culpa no cartório. Dali a considerar a gula como pecado capital foi um passo. Vem o minimalismo românico, o obscurantismo medieval. De repente, o tsunami da Renascença invade igrejas e catedrais. No Vaticano a farra é geral, irrestrita. Nos conventos as freiras inventam guloseimas para cardeais e arcebispos. Os frades se empanturram.
E um belo dia chega a empresa Pestana no convento do Carmo, all hand made in Bahia. “Somos da terra do vira e do corridinho, gula não é mais pecado, vocês nem sabem o que estamos aprontando para as multidões em delírio. Nos aguardem.”
Foi assim, sem tirar nem pôr, que tentei, em vão e pela última vez, perder minha alma na mesa do restaurante do santo claustro. Pra inicio de conversa, afundamos numa poltrona, queixo rente ao tampo da mesa mais para altar. Jantamos com os braços ao nível das orelhas, parecendo morcegos. Cada mesa, uma vela, devidamente protegida por globinho de vidro. Todas apagadas. Afinal, com ispotis lá no teto, vela acesa poderia parecer coisa de retirante. Chega um cara com cara e disfarce de pingüim. Solene, apresenta a carta dos vinhos. Pelos vistos a formação deste pessoal ficou no básico. Não se escolhe vinho antes de maturar a composição do rango, meu jovem! Bem... Vamos ao essencial, que da Ceia dos cardeais nada lembrará.
De verde, o caldo não tem nada. É um caldo bege, com sabor a bege. Defina como bem entender. Depois, nos metem debaixo do nariz um fundo prato cheinho de sal grosso. Algum tipo de despacho, penso eu? Pouco católico... No meio, mal assentada, uma pequena cuia entupida de algo que se revelará massa de construção colonial, mas que era para ser um vacalhao às natas. A cada uma das três garfadas ensaiadas, a cuia inteira fica grudada ao belo talher. Na quarta, abandonamos a luta. Ingenuamente aguardamos, ansiosos como naufragados agarrados ao roliço tronco, o redentor toucinho do purgatório. Sob forma de tijolo, aparece algo que tem consistência de tijolo e sabor de gesso adocicado. Esquisito, né? Mas afinal, a reforma da casa já terminou ou ainda não terminou?
Quando você pensa que os três pedidos são o corriqueiro de qualquer cozinha portuguesa burguesinha desde Traz-os-Montes até Algarve!...
Perdemos as três batalhas e ao receber a conta, perdemos a guerra. Uma bomba atômica! Sem pestanar... digo pestanejar, pagamos um exagero de zeros à direita e saímos titubeando de raiva silenciosa do magnífico convento transformado em cenário cafona de Traviatta de província.

Dimitri Ganzelevitch
Salvador, 21 de novembro de 2009

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