domingo, 10 de outubro de 2010

A bela escrava

Extrato do relato de viagem do príncipe real Maximiliano de Habsburgo. Parte do relato foi editado pela Ufba em 1982, sob a responsabilidade de Kátia Mattoso e Moema Parente Augel. “Bahia 1860” é um livro fascinante, apesar das irritantes e freqüentes declarações  preconceituosas sobre os negros, sem porem compactuar, de forma alguma, com o princípio da escravidão.

Interrogado sobre o livro, Pierre Verger declarou certa vez que o texto não era relevante. Permito-me discordar do ilustre antropólogo e fotógrafo. Muito pelo contrário, a alteza nos revela, pela primeira vez acho eu, uma Bahia, capital e Recôncavo, impregnada de sensualidade e magia, além de fornecer preciosas notas sobre os hábitos da época e a natureza exuberante. Sem nunca perder uma discreta e saudável ironia. Terei oportunidade de publicar outros trechos deste livro, do qual tenho dois exemplares, hoje considerados raridade.

“(...) Uma mulher, em especial, despertou-nos a atenção, por sua figura incomum. Vestia o traje típico e admirável das negras brasileiras, o qual possui reminiscências da longínqua pátria oriental. Uma saia de chita estampada com flores vivas cai, folgada e descuidadamente, em volta das ancas, que balançam suavemente. Uma bata branca, sem manga, esvoaça, como peça casual, na parte superior do corpo. Ao andar pela cidade, um xale colorido, com bordado aberto e pregas graciosas, cobre-lhe os ombros. Contas de vidro com amuletos profanos pendem em longas voltas sobre o peito. Um torço de tecido leve, branco ou azul-claro envolve-lhe a cabeça. As cores vivas e claras assentam muito bem com o tom bronzeado do corpo, se ele ainda é jovem e roliço e, também nesse sentido e nesse nível, o coquetismo é possível. A mulher de quem acabei de falar reinava, vaidosamente no grupo, tinha um pescoço e umas costas que honraria o imperador Vitélio. O busto bem desnudo encontrava-se em perfeita harmonia com todo o conjunto exuberante. Toda a figura exótica era, contudo, sob certo aspecto, esplendida, devido ao brilho aveludado e a cor bronzeada da pele. A mulher expressava a própria convicção disso, através de um sorriso de muita satisfação.”

Maximiliano seria, quatro anos depois, coroado imperador do México. Abandonado por seu irmão Francisco José, traído pelo francês Napoleão III, combatido pelos norte-americanos, acabaria fuzilado em 1867 pelas tropas revolucionárias de Benito Suarez em Querétaro. A dinastia do império austro-húngaro estava agonizando. Curiosamente, ele é hoje reverenciado no México até por intelectuais de esquerda, pelas atitudes de abertura e respeito aos indios mexicanos. Trata-se com certeza de uma das figuras mais fortes e sedutoras da história da América Latina.

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