segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Morte e vida severina (extrato)

O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
— O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia

com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina:
que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir a história de minha vida,

passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
João Cabral de Melo Neto

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