terça-feira, 2 de novembro de 2010

Um poema de Alan Miranda

O Órfão

Na varanda de casa. Sentado.

Eloá se aproxima de mim
com o seu silêncio
e seus 4 anos.
Espera que fale algo.
Falo.

- Minha mãe morreu.

Foi em abril.
Ou maio, não sei bem.
Nunca fui bom de datas.
A genitora se queixava muito disso em mim.

Coisa
assim, rápida.

Acordei pela manhã,
dei-lhe um beijo, disse tchau e ela, cansadinha,
também me disse o último
e que não esquecerei nunca.

Foi coração. Sem dor.
Morte respeitosa,
que invejo.

É claro que perdi o rumo.
É claro que choro até hoje.
É claro que sinto muita falta.

Sou um Peter Pan assumido,
de mal com a vida adulta,
e a morte da genitora
me obriga a assumir de fez a maturidade.

Então,
com certo atraso para muitos,
anuncio que Alan Miranda é órfão.

Ao menos consegui dizer a minha mãe
que me tornei ateu.
O último grande segredo entre nós.

- Meu filho, como foi isso?
- Fui descobrindo aos poucos, mãe, todo mundo notava, menos eu. A certeza foi crescendo, crescendo, e agora preciso assumir.
- Mas meu, filho, você acha mesmo que morreu e acabou?
- Não é bem um achismo, está mais para uma certeza.

Houve choro, ranger de dentes.
Como assim, um filho que não acredita em nada?

- Preciso que me aceite. Sou assim.

Me aceitou.
E também me passou uns banhos de folhas,
pra afastar “os pertubado”.

Sinto falta das folhas e das pipocas.

A amada é católica,
nunca quebrará velas em meu corpo
como só a velha fazia.

De volta à varanda de casa.
Eloá ainda me olha.

- O sentimento de estar só no mundo é grande. É estranho.

A rebenta espera uns 10 segundos pra perguntar.

- ... Por quê?
- Por que minha mãe morreu, minha filha...
- Vovó não morreu. Ó ela ali.

Aponta uma estrela.
Eu olho.
Os 10 segundos agora são meus.

- E quem te disse isso, minha filha?
- Ninguém me disse.

Olho a infante bem nos olhos.
Os olhos de minha mãe.
Cor de mel. Quase transparentes.

Digo eu te amo,
Ela ri, vem pro colo,
e mal sabe a herdeira que abraço as duas.


Alan, o Miranda.
Roteirista, ator e diretor teatral.
Atualmente está dirigindo Viúva, Porém Honesta, com estréia prevista para a primeira semana de dezembro de 2010.



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