sexta-feira, 22 de abril de 2011

Um homem dança

Nada mais comovente que alguém, de idade avançada, dançando. Vi vários, sempre com a mesma ternura. A lendária Martha Graham, no Coliseu de Lisboa no fim dos anos 60. Cheguei a trabalhar com ela uma noite inteira. A cubana Alicia Alonso, aqui, no Teatro Castro Alves, beirando os 70, quase cega, usando um piano de cauda como bengala para substituir a fragilidade pela soberba elegância das prima-donas. Outros, anônimos, domingos ensolarados, nos zócalos mexicanos, alinhados por pares comportados, elas com um lenço na mão esquerda, eles de terno e gravata. O danzón é lá uma instituição. Mais perto, ainda assisti a alegres representantes da melhor (sic) idade elaborando barrocas coreografias de dança de salão sob as frondosas árvores do largo de Nazaré. Dançar é vida, é superação ao mesmo tempo que lembrança.

Quando entrei no teatro da Aliança Francesa, não esperava ver um homem de cabelo branco a dançar – Rei David frente à provável caixa de Pandora - a evocar sua vida, memórias e mágoas dispersas como os confetes escapando de suas mãos enquanto se arrastavam nostálgicos lamentos de Piazzola. O bandônion, criado para ilustrar rituais sacros no século XIX, presta-se, neste exato momento á celebração da vida. A de um homem que sempre dançou, desde a infância, e que agora entrega seu corpo à procura do tempo perdido, à procura de seus sonhos e amores. Luiz Arrieta, exímio profissional, soube usar o pequeno espaço proposto, ampliando-o ao despojá-lo de qualquer apetrecho. Holofotes detalham as negras irregularidades do muro. “Ele tem memórias” afirmará mais tarde. O bailarino se identifica totalmente com o minimalismo ambiental e sabe tirar partido de cada saliência. Um Borsanilo a la Gardel nos fala de sua juventude irrequieta, a cadeira nos remete a outras memórias, mais obscuras. Usa até toques de butô, embora negue, para adensar a coreografia. É quando nada acontece que o público fica mais preso à possível narrativa. Durante 40 minutos o argentino nos levará numa viagem, não somente ao seu, mas também ao nosso passado.

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