quinta-feira, 20 de junho de 2013

PARA PROTESTAR, USE A PONTE

Malu Fontes 



Após os paulistanos acionarem o estopim da insatisfação a partir dos controversos e simbólicos 20 centavos de acréscimos na tarifa de ônibus, manifestantes explodiram multiplicados pelos quatro cantos do país. Aqueles acostumados a dividir o mundo em preto e branco, certo e errado e entre isso ou aquilo ainda não entenderam de onde e para onde veio e vai toda essa ira. Mesmo porque há apenas uma semana os governantes de plantão estavam com a boca escancarada de dentes sorridentes pelo que suas galeras embolsaram no engodo do mantra “a Copa passa, os benefícios ficam”. E há apenas uma semana a tão assediada classe C estava embevecida com o novo programa de crédito do governo federal, o “Minha Casa Melhor”, para mobiliar com até R$ 5 mil  a “minha casa, minha vida”. 

O que aconteceu, então, para praticamente um país inteiro ir para a rua? Quem disser que há uma causa única é simplista ou ingênuo. Quantas vezes não lemos e ouvimos, dos jornais aos telejornais, passando pelo povo nas ruas e nas mesas de bar, que o Brasil é o paraíso da corrupção e dos maus- tratos à população porque o povo não protesta e só vai às ruas atrás de escola de samba e de trio elétrico? Até as paradas gays, que são um movimento afirmativo, desde o começo se carnavalizaram. Fora isso, tinha-se a marcha da maconha e a marcha das vadias, movimentos para os quais o PIB brasileiro torce o nariz com gosto. E, correndo por fora, havia as marchas de Jesus, onde o povo de Deus louva o senhor e agradece todas as dores, já que elas fazem parte do caminho árduo rumo ao paraíso celestial.

Desta vez, no entanto, a banda tocou diferente e a Polícia Militar de São Paulo praticante chutou a bola para o gol contra o establishment ao arrebentar meio mundo de gente de porrada, transformar jornalistas que estavam trabalhando em alvo de balas de borracha arrancadoras de olhos e prendê-los por carregar garrafinhas com vinagre, o antídoto mais eficiente contra os jatos de gás lacrimogêneo. Gás vencido, diga-se de passagem.

O protesto se espalhou e se espraiou, do Rio de Janeiro a Arapiraca (AL) e Mossoró (RN), passando por Salvador, claro, onde hoje, quinta, manifestantes prometem fazer aparecer os tons de cinza em torno da Fonte Nova, a menina dos olhos do governador e a mina de ouro do consórcio que a construiu. Mas como disse Ronaldo Fenômeno, não se faz Copa do Mundo com hospital. E os perplexos diante dos manifestados perguntam: mas, em Salvador, estão protestando contra o quê? Ora, o que não faltam são razões e causas: contra tudo, contra o caos, contra o metrô de 13 anos que se recusa a nascer e continua a vampirizar milhões. Contra a média de 25 cadáveres que a cidade produz só nos fins de semana, contra a falta de saúde, educação e segurança, o crescimento de mais de 100% nos casos de estupro e a exigência que se faz à população para comportar-se como gado nas estações de transbordo de ônibus desde as primeiras horas das madrugadas. 

Essas causas são insuficientes? Some-se mais um sem-fim delas, como a provocação vulgar que é ver numa cidade que se cobriu de uma crosta de decadência nos últimos anos, um governador se deslocar para o trabalho flanando num helicóptero, enquanto no chão até a Rondesp (PM) é colocada pra correr pelo tráfico com saraivada de tiros. Ainda é pouco? Tem uma causa robusta para protestar: a ponte Salvador-Itaparica, esse projeto entre o megalomaníaco e o nonsense que vai fazer naufragar no fundo da Baía de Todos os Santos, para reaparecer no bolso dos empreiteiros, a ninharia de  US$ 8 bilhões. 

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