domingo, 22 de setembro de 2013

O ÚLTIMO DIA DO INVERNO

O sábado de ontem teve a generosidade de todos os deuses desta baia imensa e aconchegante. Sol leve. Luz transparente, alegre, detalhando cada folha, cada azulejo, cada telha. Meu irmão Wladimir veio de São Paulo para um curto fim de semana e meu velho amigo Bruno – 53 anos de amizade - me trouxe um pouco das nuvens de Paris.
Almoço no sofisticado Chez Bernard, sentados junto a uma das mais belas vistas de Salvador. Agora que o tradicional restaurante deixou de pertencer a Odebrecht e que a mesa voltou a sua excelência, o jovem chefe me verá, vez ou outra, apreciar seus talentos. 
Foto antiga. A decoração, felizmente, deixou de ser toda branca, coisa mais chata de nossos decoradores!

Escolhemos o menu dégustation, que é onde se melhor avalia o virtuosismo e a criatividade do dono do fogão. Minha preferência foi sem dúvida a aveludada sopa de cebola e a macia carne de queixada. Faria, no entanto, uma pequena restrição a sobremesa. O biscoitinho enrolado, muito duro, recheado com creme sem expressão, foi no entanto compensado por um sorvete de tapioca assinado Georges Laporte, fornecedor da maioria dos bons restaurantes da capital. Aproveito para estranhar a repetida escolha dos jurados da anual Veja Salvador que prezam as produções químicas de outras sorveterias, estas mesmas que nunca convenceram os chefes profissionais.

Atravessando o Passeio Público, fomos até o Campo Grande onde flores e plantas acolhiam a Primavera. Achei mais modestos os estandes de floriculturas enquanto crescia a mediocridade das bancadas de “artezanato”. Quanta coisa banal, inútil e despojada de qualquer criatividade as autoridades, começando pelo Instituto Mauá, impingem a um público que há muito perdeu suas referências culturais!...


Voltando ao Passeio Público, assistir a “Marias da Luz”, trabalho teatral da paulista Companhia as Graças, foi excelente forma de passar uma hora sob as frondosas mangueiras. Gostei do uso dos espaços, dos figurinos, dos discretos elementos que contribuíram para cativar um público pouco acostumado a ser brindado por eventos de qualidade. O FIAC começa bem.
Descer ladeira é sempre fácil e gostoso, ainda mais quando se vai ao Jam no Mam. Chegamos cedo, bem antes do pôr-do-sol. 


Sempre um dos meus passeios favoritos. Recomendo a qualquer que venha passar um tempo em Salvador. Se bem que, sem o mínimo policiamento, a redondeza do museu carece perigosamente de segurança. Durante sua gestão, Stella Carozzo cansou-se de pedir reforços a todas as autoridades, em vão. Mas, desta vez pelo menos não nos aconteceu nada, mesmo na subida, já de noite fechada.
Penetramos entre os primeiros no Teatro Castro Alves para ver a oportuna re-montagem do balé “Sagração da Primavera”. O mesmo impacto causa a forte e até violenta obra de Stravinsky. 


Estamos a anos-luz de Boticelli, Renoir ou Eliseu Visconti. A coreografia de Oscar Araiz remete logo de entrada ao rito andino quíchua da Pacha Mama. Antes de ser uma renascença vegetal é uma tormenta telúrica. Ainda falta afinar os bailarinos que, raramente, falham nos conjuntos. Não entendo por que não se aproveitou a oportunidade para valorizar a Orquestra Sinfônica da Bahia. Ela tem toda competência para interpretar uma das mais significativas obras do século XX. Mas nestas últimas gestões, muitas anomalias na administração e programação desta instituição mereceriam análise aprofundada.


A surpresa – verdadeiro happening - foi o protesto dos bailarinos, já na entrada e, mais tarde, dentro da sala e no próprio palco do TCA.


A manifestação oficializou o descontentamento de todas as classes ligadas a Cultura na Bahia. Se a administração megalomaníaca do Márcio Meireles, hostilizando quem não se mantinha na bajulação mais absoluta, a atual, sub a batuta acadêmica e partidária do atual secretário estadual, Albino Rubim, por falta de iniciativa ou de espaço, muito pouco fez a não ser algumas mesas redondas e sonhar com um descontextualizado Museu do Carnaval. Acrescentemos o quixotesco secretário de turismo que teima em cavar a Praça Castro Alves para uma predadora arena, mas perde uma bolada de milhões para investir no Centro Histórico de Salvador, uma secretaria da Fazenda que empurra com a barriga as dívidas e um absurdo, irreal Escritório de Referências que põe projetos com mais facilidade que galinha caipira – ovos que nunca dão o menor pinto - e teremos o porquê da decadência geral de um estado que poderia ser um dos avançados do Brasil em matéria de cultura, mas se contenta em folclorizar povo e tradições.

Continuamos na terra do Ô paí, Ô!

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