segunda-feira, 26 de maio de 2014

O BEIJO PROIBIDO

Iranianas exigem que atriz que deu beijo proibido em Cannes seja flagelada

Um grupo de universitárias iranianas pediu que a atriz Leila Hatami seja flagelada em público por ter beijado o presidente do festival de Cannes, Gilles Jacob. O beijo casto, na bochecha, com o qual os dois se saudaram na última segunda-feira no tapete vermelho foi duramente criticado pelos retrógrados da República Islâmica. Agora, esta novo caso vem confirmar que os setores mais conservadores se lançaram em uma guerra para tentar desprestigiar internacionalmente o Governo do moderado Hasan Rohaní.
Segundo o site Tasnim, várias integrantes do setor estudantil doHezbollah, um grupo ultra vinculado com a Guarda Revolucionária (Pasdarán), apresentaram na quinta-feira uma demanda para queHatami seja julgada. A protagonista de Una Separación, o único filme iraniano que ganhou um Oscar, está em Cannes como parte do júri da Palma de Ouro, presidido pela diretora de cinema Jane Campion.
“As signatárias, um grupo de estudantes muçulmanas, pedimos à seção cultural e de meios de comunicação da promotoria que processe Leila Hatami por seu pecaminoso ato [beijar um homem em público] o que segundo o artigo 638 [do Código] de Justiça Islâmica Penal acarreta pena de prisão”, assinala o texto.
Pouco importa que Jacob tenha 83 anos e declare que foi ele quem beijou Hatami, de 41, por ela ser uma representante do cinema iraniano. As puritanas ressaltam que a atriz “feriu os sentimentos do Irã enquanto nação orgulhosa e terra de mártires”, motivo pelo qual também solicitam que “seja açoitada, tal como estipula a lei”. O pedido acrescenta que o comportamento de Hatami, e seu aparecimento “com roupa ilícita” em público, “fomenta a corrupção”. Por tudo isso pedem entre um e dez anos de prisão.
A atriz iraniana Leila Hatami e o beijo no presidente de Cannes.
Embora não houvesse indicação oficial de que o caso tenha sido colocado em trâmite, sua mera proposta alenta a imagem do Irã como uma teocracia retrógrada e machista cada vez mais desligada da realidade. No entanto, em um país onde as iniciativas cidadãs espontâneas são cada vez mais raras, o gesto das universitárias reforça a percepção de que os grupos ultraconservadores que perderam a eleição presidencial do ano passado para o moderado Rohaní, decidiram mudar a batalha política para o terreno social e cultural.
Os ataques contra Hatami são um elemento a mais da ofensiva diante da possibilidade de que o presidente consiga desmobilizar o conflito nuclear que mantém o Irã marginalizado perante a comunidade internacional. Nesta mesma semana, seis jovens passaram três noites na prisão por terem colocado no YouTube um vídeo em que dançavam ao ritmo do tema Happy, de Pharrell Williams. Há duas semanas, uma manifestação não autorizada de centenas de mulheres que se cobrem com o chador (um tecido negro que as esconde da cabeça aos pés) percorreu o centro de Teerã diante o olhar impassível da polícia pedindo mão de ferro contra aquelas que não ocultam o cabelo e as formas do corpo como manda a lei.
Enquanto isso, outras iranianas, fartas de que a lei as trate como cidadãs de segunda e inclusive estipule como devem de se vestir, estão se mobilizando na Internet para reclamar a liberdade de poder mostrar seu cabelo. Com 78 milhões de habitantes, Irã é um país muito plural. O crescente atrevimento da juventude e o eco que as redes sociais dão a suas iniciativas (ignoradas pelos meios convencionais controlados pelo estado) estão colocando contra a parede os guardiões das essências que temem que a abertura, por menor que seja, acabe com seu poder sobre o quarto produtor de petróleo do mundo.

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