quarta-feira, 25 de junho de 2014

CARTA A GUILHERME BELLINTANI

Bom dia, Guilherme.
Sua entrevista no Correio a respeito da revitalização do centro histórico tem sido bastante comentada no facebook e outros espaços.

Morando e atuando neste bairro desde 1975, muito antes de ser reconhecido pela Unesco, tenho testemunhado alguns acertos e muitos erros. Na década de 90, o erro básico foi a limpeza social da qual eu fui quase também vítima. Em alguns meses ergueram-se casarões onde havia ruínas, mas também se desalojou gente. Sem conversa nem justa compensação. Humilde? Com certeza. Mas nem por isso marginal. Ladrões, prostitutas e pequenos traficantes havia, sim. Mas, sejamos honestos, em que bairro de Salvador não os há?  A maioria era simplesmente gente que tentava sobreviver cada dia com modestos trabalhos.
Lembro do espanto que eu causava quando informava, nas rodas sociais – naquela época pensava essencial ser “colunável” – que morava no centro histórico...

Décadas se passaram. Após um breve intervalo quando o Pelourinho foi transformado em shopping a céu aberto – e fracassou – toda a área entre a Praça da Sé e o Carmo voltou à decadência. Por quê? As respostas são muitas, mas basicamente porque nunca as autoridades desejaram ouvir as comunidades. Não aquelas reuniões públicas onde cada quer falar de seus problemas pessoais, mas de uma verdadeira abertura para o diálogo.
Vocês têm que ouvir as comunidades, têm que estabelecer um diálogo.

Recentemente tivemos a visita de um conselheiro da Unesco, urbanista responsável pela reabilitação da cidade de Quebec. Quando, em 1985 – mesmo ano que Salvador – começou-se a restaurar a cidade antiga, o responsável Michel Bonnette teve o cuidado de pedir a formação de pequenos núcleos de discussão e aceitou opiniões contrárias que foram longamente debatidas até se acharem soluções. 
Não se faz urbanismo apesar da sociedade, mas em harmonia com ela.

A área do Pelourinho tem sofrido com o excesso de eventos musicais, sempre com abuso de parafernália sonora. Os 80 decibéis são tradicionalmente ultrapassados sem que órgão nenhum se resolva em intervir. Ora, decibéis são ondas sonoras. E estas são prejudiciais, não só a saúde do homem, mas também aos monumentos, como se fossem pequenos e constantes sismos.
O excesso de barulho afasta um bom número de moradores e de visitantes. Quantas vezes tenho ouvido turistas se queixarem do barulho descontrolado! Faça uma pesquisa nos hotéis e pousadas do centro para saber quanto a barulheira afeta o turismo. Vai se surpreender.

E mais: a cultura não é somente shows para 20 mil pessoas. O centro histórico poderia abrigar festivais de música erudita, de teatro, de cinema.
Já mencionei, e você concordou, a oportunidade de adaptar - é fácil – as ferramentas já existentes para abrigar congressos e seminários. O que traria um bom movimento para hotelaria, restauração e comércio no centro histórico. Sem precisar enfrentar o trânsito
.
Por vinte anos eu tenho preconizado a instalação de repúblicas de estudantes no centro histórico. Estudantes trazem vida e alegria. Contribuem a mudar, de forma harmônica, o perfil de um bairro.
Não vou me estender para não roubar mais de seu tempo, mas pelo que lhe conheço, acredito que estará aberto ao diálogo, sempre enriquecedor e construtivo.
Abraço
Dimitri

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