terça-feira, 23 de setembro de 2014

INDIGNAÇÃO NO BONFIM

Construção de pista sobre praia gera indignação na Cidade Baixa

Pista de borda, que ligará a área detrás da Igreja do Bonfim à Pedra Furada, no Monte Serrat, começou a ser construída há menos de um mês
Levar os cães para um passeio na praia, sentar na areia com os filhos para conversar ou mesmo deitar em uma canga para tomar um sol eram atividades que uma moradora da Rua Artur Matos, no Bonfim, conseguia fazer a poucos metros de casa. O espaço de lazer, nos fundos da Igreja do Bonfim e de frente para a Baía de Todos os Santos, desapareceu nas últimas semanas.
Uma estreita faixa de areia, entre o Porto da Lenha e a Pedra Furada, deu lugar, há menos de um mês, a caçambas, pedras, tratores e operários. Não existe mais areia. Agora, o que se vê na praia é um caminho de pedras, prenúncio de uma via de borda que vai ligar a Avenida da Constelação ao Estaleiro da Ribeira. “De borda” é o nome oficial: a via que está sendo construída passa por cima mesmo, por dentro do mar.

Pista de borda, que ligará a área detrás da Igreja do Bonfim à Pedra Furada, no Monte Serrat, começou a ser construída há menos de um mês. Projeto da Conder preocupa moradores (Foto: Marina Silva/ Correio)
“Nunca vi algo assim em minha vida. Acabar com uma praia e construir uma via em cima da área da maré. Isso vai contra toda a política de responsabilidade ambiental de qualquer projeto hoje em dia”, reclama a moradora, que hoje convive com o barulho produzido pelo maquinário.
Uma placa na entrada da Praça Teodósio Rodrigues de Faria diz que o projeto, iniciado em 2010, é de ‘Requalificação Urbana na Localidade de Mirante do Bonfim e Pedra Furada’. A intervenção integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com aporte de R$ 9.294.941,39.

Segundo o projeto original, a via de borda, já em construção, lançará o fluxo de veículos vindos da Pedra Furada e da Avenida Constelação na Rua Artur Matos. Mas a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Conder), responsável pela obra, não teria se reunido antes com a comunidade para mostrar o projeto. “Ninguém se reuniu com o pessoal aqui. Quando perguntávamos aos técnicos que vinham fazer as medições, diziam que ia ser construída uma praça. Depois que confrontamos a Conder, eles disseram que foram realizadas mais de 70 reuniões com os moradores da Pedra Furada”, conta a moradora, sob anonimato.
 
ImpactoO urbanista Alexandre Dias, antigo morador da Artur Matos, se diz intrigado com a forma como a obra está sendo feita. “Isso é um crime contra o meio ambiente. Eu trabalho com isso e para conseguir licença é uma dificuldade. Como é que se autoriza uma via passando dentro do mar?”, questiona.
O projeto da Conder para o local consiste em reurbanizar a região de beira-mar da Pedra Furada, retirando construções irregulares, criando a tal via de borda e implantando área de lazer e esportes, calçadão, ciclovia e parque infantil.
Para isso, a  companhia planeja relocar os moradores das palafitas da Pedra Furada e de casas em áreas de encosta - cerca de 100 famílias -  para um residencial do Minha Casa Minha Vida, que ainda vai ser construído na antiga fábrica da Antarctica, no Bonfim. “A pista foi pensada como uma barreira física para evitar que novas ocupações nas encostas e de palafitas voltem a acontecer naquela área”, explica o coordenador de projetos da diretoria de Habitação da Conder, o urbanista Gilbert Santos. Ele não vê agressão ambiental na obra. Pelo contrário, considera um projeto de “cunho social e ambiental”.
A superintendente de Habitação da Conder, Adriana Luz, diz que a via é uma solução para o problema de poluição na área. “O caminhão de lixo não chegava ali e os moradores da parte alta jogavam o lixo direto no mar”, ilustra.


DocumentaçãoInsatisfeitos com o impacto da obra, os moradores da Artur Matos denunciaram a situação ao Ministério Público (MP-BA). Contudo, em função de a faixa de areia pertencer à União, o promotor de Meio Ambiente, Luciano Santana, repassou o processo ao Ministério Público Federal (MPF). A documentação chegou ao MPF na segunda-feira (15) mas, por um problema no sistema, o caso só foi repassado na sexta à procuradora Caroline Rocha Queiroz, do 4º Ofício (Meio Ambiente e Patrimônio Cultural).
Antes de passar o caso ao MPF, Santana pediu explicações à Conder, à Secretaria Municipal da Cidade Sustentável (Secis), à Superintendência de Controle e Uso do Solo  (Sucom) e ao Instituto de Criminalística Afrânio Peixoto. “Nós solicitamos a fiscalização no local para verificar a procedência da reclamação. Decidi solicitar logo essas diligências devido à urgência desse caso”, diz o promotor.
Coordenadora da obra pela Conder, a arquiteta e urbanista Célia Sá diz manter a promotoria informada a cada dois ou três meses. “O MP-BA já estava acompanhando há um tempo por conta da poluição daquela área”, explica Célia.
Já a Secis repassou a demanda à Secretaria Municipal de Urbanismo (Semut). Em nota, a pasta afirma que a licença ambiental, de 2010, foi renovada este ano, pois “o projeto apresentado estava conforme as exigências”, após análise de uma equipe técnica que visitou o local.
Também em nota, a Sucom informou que não encontrou alvarás para nenhuma obra naquela área. “Os funcionários do setor responsável pela liberação de licenças da Sucom não conseguiram localizar nenhum alvará concedido para aquela área, mas, por outro lado, a Superintendência não acredita que a Conder tenha iniciado a intervenção sem a licença necessária”. Por isso, a autarquia pediu mais informações à Conder.

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