segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

TIMBUKTU

 
Estreia essa semana em Salvador o filme “Timbuktu” do cineasta Mauritano Abderrahmane Sissako, indicado para a Palma de Ouro no último Festival de Cannes e agora para os Oscars na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Eu tive o privilegio de acompanhar a trajetória desse filme, da sua escritura até sua montagem e posso testemunhar que além de ser um dos mestres da cinema mundial, Sissako é também um cineasta com uma das mais originais visões da sua arte. Ele não se considera como um cinéfilo e sempre alegra as plateias quando conta que ingressou a prestigiosa escola de cinema de Mosco, a VGIK, tendo assistido somente os filmes de caubói da serie “Trinity”. Abderrahamane frequenta pouco as salas de cinema e por consequência, trabalha sem referência estética ou vontade de inventar uma linguagem, mas sim com o desejo de retratar seu povo como o conhece na sua luta diária contra as forças politicas que tentam oprimi-lo. Bamako, seu filme anterior, era a crônica de um processo judiciário imaginário levado por uma comunidade Malinesa contra os economistas do Fundo Monetário Internacional. Timbuktu retrata o período de 2012 quando os Jihadistas invadiram a cidade histórica do Mali e impuseram a lei fundamentalista, obrigando as mulheres a se cobrir inteiramente, e proibindo o tabaco, o futebol, e até a música num pais tão musical na sua cultura. Para Sissako, a tragédia não procede somente da ideologia mas também da ausência de diálogo entre as culturas. Uma das cenas mais fortes de Bamako mostrava um homem velho chamado para testemunhar contra os funcionários do FMI mas que prefere o silêncio ao vão discurso. Em Timbuktu, os Jihadistas não conseguem se comunicar nem com a população nem entre eles e chegam a recorrer ao inglês para se entender.  Sissako trabalha pouco com atores profissionais e procura integrar na sua narrativa personagens encontrados na sua pesquisa, amigos, parentes e músicos amados. Por esse motivo,  o roteiro não passa de um esboço, um espaço-tempo livre que vai evoluir em função dos encontros, da cenografia, e da atuação dos seus personagens. Um dos elementos mais perturbadores de TImbuktu é que os Jihadistas não são retratados como monstros essenciais mas como ser humanos cegados pela religião, bonecos patéticos transformados em monstros por uma ideologia terrível. Em oposição ao ridículo dos Jihadistas, o drama destaca o papel das mulheres e quebra mais um preconceito sobre o Islam.  Muçulmano, Sissako admira as mulheres, e em todas suas obras, mostra a coragem, a beleza e a inteligência da gente feminina.  São elas que resistem aos opressores. Uma dimensão que foi pouco destacada pela imprensa internacional na estreia de Timbuktu foi a ousadia e a coragem de ter gravado esse historia. Ao contrario de muitas produções que tem o Saara como painel de fundo, Timbuktu não foi rodado no Marrocos ou na Tunísia mas no coração do território alvo dos Jihadistas, por parte no Mali e principalmente na Mauritânia.  Quando encontrei meu amigo logo depois da filmagem, fiquei chocado ao ver o quanto ele tinha envelhecido em poucos meses, sempre preocupado com os riscos enfrentados por sua equipe.  Eu conheci Abderrahmane em Salvador no final dos anos 2000 e sei que ele tem um carinho especial para nossa Bahia onde apresentou seu terceiro longa (“Esperando a felicidade”)  e seu penúltimo (“Bamako”), obras importantes que não conseguiram alcançar o circuito comercial brasileiro por falta de interesse dos distribuidores pelo cinema africano. Mas ele demostrou que o gosto do público as vezes ignora as fronteiras e os preconceitos do mercado e “Timbuktu” já reuniu mais de sete centos mil espectadores na França.  Eu tenho dificuldade para escolher uma cena ou outra desse grande filme mas alguns diálogos vão residir em mim para sempre, por exemplo quando o Imam da mesquita pergunta aos Jihadistas: “Cadê o perdão? Cadê a doçura? Cadê a piedade? Cadê a compreensão?” Poucas semanas depois do atentado contra o jornal satírico Charlie Hebdo, essa pergunta se tornou ainda mais relevante.

Bernard Attal, cineasta.
Matéria publicada no jornal A Tarde, 
hoje,m sábado 23 de fevereiro.


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