terça-feira, 5 de julho de 2016

DE PISCINA A MUSEU

A PISCINA 

Como custa este inverno a ser varrido das ruas e jardins de Paris...
É numa manhã de se ficar no aconchego da cama que resolvo enfrentar a chuvinha chatinha, os asfaltos espelhados e o cheiro anônimo da Gare du Nord. Com meu velho amigo Bruno estamos indo a Roubaix. Quando digo velho amigo, nada de exagero. A gente se conhece desde os tempos militares. 1959. Meros cinqüenta anos. Meio século... Pode?! Continua pintando imensas telas abstratas irritadas, imune ás correntes “contemporâneas” de instalações e conceitos. Também é exímio desenhista, povoando a bico de pena montanhas de corpos lúbricos em espaços saturados.

O tripé Lille-Roubaix-Tourcoin foi o pivô de aulas de geografia econômica quando estudante. Lá reinaram as grandes famílias das grandes fortunas das grandes indústrias francesas de tecelagem. Acontece que o Bruno é neto, bisneto e tetraneto de algumas destas famílias. Mas de herança que é bom, só alguns moveis e objetos.
País plano que anuncia a Bélgica, fachadas que anunciam a Holanda, gente que fala pouco, olha o céu desconfiado e ignora vizinhos. Mesmo assim, e talvez por reação, terra de grandes talentos artísticos. Fomos aconselhados a sair do TGV em Lille e pegar o metrô até Roubaix. Pois é, as cidades hoje se tocam, se fundem num imenso emaranhado de vias rápidas, ruelas, bulevares, pracinhas e praças onde dançam os ventos do Norte. Uma rua longa e deserta, quase sem comércio, nos leva até a piscina municipal.
Brincadeira?


Nada disso. Foi mesmo para ver uma piscina que viajamos uma hora e meia de trem e enfrentamos este no man´s land. É que um amigo sugeriu esta visita para um projeto em Salvador. Por enquanto, segredo. Mas ninguém se preocupe. Não vamos fazer uma piscina coberta à beira do Rio Vermelho. Se bem que não seria tão má idéia, com esta chuvarada. Quem sabe o João Henrique pega esta onda?...

Nos anos 30, após terem-se sarado as feridas da Primeira Guerra Mundial e sem a premonição de mais uma guerra, mais sangrenta, os franceses descobriram as benfeitorias do corpo sano. Coubertin reinventara as Olimpíadas e a piscina de Roubaix ofereceria, a preços populares, todos os requintes do clube mais sofisticado da elite para seus cidadãos. Mármores, azulejos ricamente trabalhados, água quente, chuveiros individuais, elegantes grades para sacadas, corrimões e portões, vasto pátio ajardinado, nada foi poupado para a nobre prática da natação.
Veio a guerra, juventude massacrada, mudanças de costumes, falta de manutenção. A bela piscina entrou em decadência, foi abandonada. O mato, os vira-latas e mendigos tomaram conta. Até que uma administração municipal mais dinâmica resolveu enfrentar o desafio e transformar o edifício em museu.

Em museu! E era justamente este museu que dois velhos ex-pracinhas iam visitar. O resultado é incomum. Conservou-se o estabelecimento de esporte com todas, absolutamente todas suas características. Nos chuveiros colocaram vitrines ou textos explicativos. Ao longo da piscina, grandes estátuas de mármore, barro ou gesso – homens de um lado, mulheres do outro – de vários estilos, principalmente dos séculos XIX e XX, parecem prontas a entrar na água, oferecendo um leque de todos os estilos, com destaque para o Art Déco. A cada 15 minutos, em vez de costumeira música de fundo, uma gravação lembra por breves instantes os barulhos típicos de uma piscina coberta: gritos de jovens, mergulhos, ecos, risadas... Noutras salas, está exposto o rico acervo do museu, com destaque para os valores locais, mas não faltando alguns nomes de peso como Klee, Picasso, Stael, Marquet, Van Dongen.
Já passa do meio dia e resolvemos almoçar, banal, na antiga entrada, hoje restaurante. Na saída, entramos por acaso na exposição temporária de uma espanhola, Ágata Ruiz de la Prada.


 É uma bofetada, um vendaval de cores e formas loucas, um carrossel de sol e alegria que invade nossos olhos e nossas cucas. Ágata é madrilena. Apareceu, como outros tantos talentos, na época da Movida e, como costuma acontecer neste país de imensos talentos quando não de gênios, incendiou a península desde San Sebastian a Algeciras. O que faz esta mulher? Vestidos. Sim. Vestidos. Mas que vestidos! Não adianta querer explicar, descrever. Se poucas mulheres poderiam ousar habitá-los, eu não hesitaria em ter dois ou três na minha casa em exposição permanente. Nas suas obras reencontro Miro, Calder, Buñuel, Satie, Almodóvar, Ionesco e Magritte.
Se quiserem saber mais, duas soluções: ou abrir o Google ou pegar o primeiro avião e ir até Roubaix.

Dimitri Ganzelevitch                                                       Salvador, 8 de maio de 2009.



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