segunda-feira, 4 de julho de 2016

UM POUCO ALÉM DA VIAGEM



 FOTO: DIMITRI GANZELEVITCH

Tenho recebido, ultimamente, de vários amigos desejando viajar, pedidos de sugestões.
Vânia ia ao México, Não foi. Pena, o dia dos Finados é uma experiência inesquecível. Deise e Ricardo foram a Portugal. “Em lua-de-mel!” diziam rindo. É que agora são casados, mesmo! A jovem Bénédicte voou para Cotonu, no Benin, com uma amiga, Martine foi a Istambul, José Dirson e Waldemar irão, em janeiro, aventurar-se no Egito, Lílian, que só conheço pela internet, foi a Marrocos, como, aliás, a bela Kassira, preocupada em não ser raptada por algum beduíno. Ela também pretendia orientação para longa estadia em Andaluzia. Bernard, que foi ao festival de cinema de Roma, queria só um endereço de hotel. Sylvie, que mora em São Paulo, quer conhecer Buenos-Aires de outra forma. Os Engish, desde Cahors, onde vivem uma vida feliz de gentleman-farmer, também resolveram passar uma semana em Lisboa e arredores...
Pronto, virei uma espécie de Artur da Távora dos prazeres de viajar.

Mas, viajar? Como?!
Existe a fórmula tipo fast-food, banal, temerosa e relativamente confortável, que lhe convence a refugiar-se num grupo. Algo entre 30 e 80 valentes desbravadores. Ônibus de dois andares, sacola com nome da agência, boné, vôos noturnos e refeições a fazer fila. Maioria de terceira idade dita “Melhor Idade”. Melhor idade? Uma ova! A excursão sairá sempre o dia antes ou chegará logo após aquele evento que era imperdível. Mas, em compensação, você extraviou seu passaporte ou lhe roubaram a sacola, seu vizinho de poltrona ronca e na sua frente, aquela balzaquiana descolada insiste em lhe jogar na cara, por cima do espaldar, o máximo de uma cabeleira que já foi farta e sedosa. Terá direito a passeio de gôndola, em tarde de chuva, O Sole Mio, e elevador da Torre Eiffel até o primeiro andar, com nevoeiro. La vie en rose.

Para qualquer idade, quando perguntado, sempre tento convencer que a descoberta de novos horizontes começa pela descoberta de si mesmo. Portanto, enfrentar o desafio de climas bizarros, praças deslocadas e colações perturbadoras, faz parte da iniciação, é rito de passagem.
Comecei a correr pelo mundo afora, sozinho, ainda na adolescência. Já velho, continuo preferindo traçar meus próprios caminhos, sem esperar que alguém abra a porta para mim.
Detesto tudo o que é organizadinho, certinho, votcher, tíquete, vale, reserva de restaurante, hotel, teatro pelas “melhores agências especializadas”.  Geralmente, você acaba na mesa junto à porta do toalete, quarto sem vista, colado ao elevador e assento com direito a coluna bem no meio da visão do palco.
Em Cuzco, por exemplo, a Bruna tinha aconselhado uma pousada com comoventes intenções de projeto social. Um quarto com janela no corredor, barulho de mochileiros – esta gente nunca dorme – cama de sobriedade conventual, calefação praquê e a muuuuitas quadras do centro. Desayuno espartano. De manhã cedo, não mais de gelados 4° nas ruas adormecidas, antes da Claudine e Miguel acordarem, desandei a vasculhar os arredores da Plaza de Armas e desencantei El Casarón Real. Talvez rei nenhum nunca lá tivesse se hospedado, mas para vinte dólares por quarto espaçoso, água fervendo no confortável banheiro, escadaria monumental, pátio de opereta e vista sobre uma deliciosa rua, esquecemos sem remorso as criancinhas andinas. Momentos na vida devem assumir total egocentrismo. Nunca pretendi me aproximar da beatitude. Além disso, quando a gente pensa que o atual papa quer, porque quer santificar Pio XII, omisso, no mínimo, do holocausto nazista, muito menos escrúpulo a gente tem.

Viajar é incorporar um Livingstone, um Richard Burton, Champollion, Rimbaud...
Calma! Garoto... O tempo das diligências e da Maria Fumaça já era. Mas ainda tem, dentro de cada um de nós, a faísca do Impossível a derrubar, do oceano furioso a sobrevoar... Ou não tem?
E ninguém pense que visitar um país desconhecido é seguir um único rosário de monumentos im-per-dí-veis. Não hesite em sentar num banco público do Retiro em Madri ou no parisiense jardim do Luxemburgo. Coma seu sanduíche observando as crianças brincando, os patos nadando. Sente num banco da mexicana praça Garibaldi para observar os músicos de mariachis. Ande, tarde na noite, nas ruas desertas de Damasco, passe bem perto dos punks de Sloane Square, admire os barcos nos canais de Amsterdã. Futuque as estantes dos solenes livreiros da lisboeta rua da Misericórdia. São tão importantes quanto Alfama, os Rembrandts, as esculturas assírias, Hampton Court, o Templo do Sol, o Arco de Triunfo e Guernica. 
Falei para a Kassira passear por Ronda, que as excursões sempre esquecem – felizmente – e por Rabat, pelos jardins tranqüilos dos Udaiás. Sugeri aos Engish irem a Tomar, muito mais fascinante que o Algarve, interminável Costa de Sauípe. Aconselhei Vânia a comprar os jornais do dia dos Finados. Só o caderno das crianças, com pequenos esqueletos fazendo traquinagens mil, é digno de se conservar.
Viajar é ir sempre um pouco mais longe, rodear cenários para descobrir bastidores.
Sentar á beira da estrada, deitar em gramados proibidos, rolar duna abaixo á sombra das Pirâmides, chupar a neve do Himalaia...

Dimitri Ganzelevitch              Salvador, 9 de novembro de 2008.

PS.- E para longas esperas, leve e leia “A arte de viajar

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